O maior inimigo do Ocidente não é mais a al-Qaeda. Desde a morte de Osama bin Laden, em maio de 2011, com o declínio dos jihadistas responsáveis pelos atentados de 11 de setembro de 2001, outro grupo assumiu o posto de ameaça número um do mundo civilizado: o Estado Islâmico (EI). Em um ano, o EI deixou de ser um grupelho que lutava ao lado da al-Qaeda contra Bashar al Assad, na Síria, para se tornar o mais ameaçador e temível braço fundamentalista do mundo. Usando modernas táticas de guerra, o EI conquistou territórios na Síria e no Iraque, usurpou campos de petróleo, tomou armamentos de última geração e conquistou ativos estimados em US$ 3 bilhões. No caminho, cometeu atrocidades que chocaram até seus comparsas da al-Qaeda. Evisceraram inimigos, crucificaram vítimas e decapitaram reféns. O mundo e os principais serviços de inteligência se perguntam: será que o EI planeja cometer seu 11 de setembro?
Para responder, é preciso entender o líder do EI, o misterioso e temível Abu Bakr al Baghdadi, herdeiro legítimo da ideologia radical de Osama bin Laden. Ele é o mentor e o artífice da selvageria e brutalidade que o Estado Islâmico vem impondo no Iraque e na Síria. Baghdadi era um pacato aluno de estudos islâmicos até o começo do século, quando se interessou pelo salafismo. Salafi significa predecessor, em árabe. Trata-se de uma vertente ultraconservadora do islamismo sunita, que luta para definir a nova ordem de acordo com as tradições religiosas do século VII. Seu modelo é o islã antigo e uma adaptação radical da sharia, a lei religiosa islâmica. Ao longo dos séculos, os salafistas evitaram se envolver em política. Nos últimos anos, patrocinados por países do Golfo, ingressaram na política e aderiram à luta armada.
O maior expoente do radicalismo salafista foi Osama bin Laden. Baghdadi se inspirou nele para trilhar o caminho do radicalismo: tornou-se doutor na lei islâmica e, em 2003, era um militante da jihad. Pregava com ferocidade em províncias iraquianas. Em 2005, foi preso pelo Exército americano em Falluja. Foi considerado um prisioneiro de pouca importância e encarcerado no centro de detenção de Camp Bucca, no sul do Iraque. Na prisão, Baghdadi teve contato com terroristas da al-Qaeda. Ao ser libertado, em 2009, voltou mais forte às atividades extremistas. Foi Baghdadi quem transformou a al-Qaeda no Iraque (AQI) de uma filial local da al-Qaeda em uma força distinta e independente, com uma agenda clara: criar um Estado Islâmico radical sunita no Iraque e na Síria: seu califado.
Em menos de um ano, Baghdadi conseguiu o que queria. Conquistou territórios na Síria e no Iraque, apagou a fronteira entre os dois países e arrebatou o apoio da maioria dos sunitas da região. Autoproclamou-se "o novo califa Ibrahim, emir dos crentes no Estado Islâmico", conclamou os muçulmanos a obedecer-lhe enquanto ele "obedecer a Deus". Apesar de todos os temores que um lunático do porte de Baghdadi desperta, o EI, por enquanto, está mais interessado em conquistar territórios que em aterrorizar o mundo. "O Estado Islâmico tem uma ambição expansionista, baseada numa verdade religiosa que atribuiu ao grupo uma missão de dominação mundial", afirma Zbigniew Brzezinski, um dos maiores estrategistas americanos do século XX e conselheiro do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais. "Essa ambição faz o grupo ser muito mais ameaçador que a própria al-Qaeda. Mas uma ameaça localizada, não global."
A estratégia de Baghdadi tem sido clara: conclamar os jihadistas em potencial do mundo todo para viajar para a Síria e para o Iraque e lutar pelo EI. Segundo a inteligência dos Estados Unidos, o EI tem 31.500 integrantes, entre eles 15 mil estrangeiros de 80 países, incluindo 2 mil ocidentais. É uma tática diferente da adotada por Osama bin Laden e pela al-Qaeda, que mantinham células terroristas espalhadas pelo mundo para agir com ataques pontuais de forma global.
O Estado Islâmico tem se preocupado apenas em conquistar territórios. Isso poderá mudar?
Nos últimos meses, o EI mostrou que, mesmo quando atua no exterior, sua estratégia não é aterrorizar, mas conquistar. Atraiu milhares de estrangeiros para lutar pelo grupo e conquistou a simpatia de ocidentais radicais dispostos a aderir ao jihadismo. Aliou-se aos tchetchenos e incentivou os radicais islâmicos do Cáucaso a lutar contra Vladimir Putin e o domínio russo. Chegou ao Egito, onde a perseguição a islamistas só cresceu desde a deposição do governo da Irmandade Muçulmana, no ano passado. O EI promoveu ataques ao Exército Egípcio na península do Sinai. Aliou-se ao grupo militante mais ativo do Egito, o Ansar Bayt al-Maqdis. O plano de Baghdadi é conquistar apoio dos islamistas da África e seguir sua expansão. "Por enquanto, o EI e a situação no Iraque e na Síria lembram o Afeganistão nos anos 1990, quando havia uma disputa territorial", diz Brzezinski. "O que o EI virará depois que se estabilizar? Foi no Afeganistão que nasceu a al-Qaeda, foi de lá que partiram os ataques contra os EUA."
É pouco provável que o EI se interesse em cometer atentados terroristas contra alvos maciços, fora das fronteiras da região em que atua em curto prazo. Ao contrário da al-Qaeda, que sempre tentou conseguir armas de destruição em massa para lançar ataques que causassem o maior número possível de vítimas, o EI está interessado em reconstruir o califado islâmico do século VII, uma versão moderna da Expansão Islâmica. É improvável que o grupo seja capaz de sustentar vitórias e manter território lutando em várias frentes simultâneas contra seus muitos inimigos. Exércitos do Líbano, do Egito e do Irã, o regime de Bashar al Assad na Síria, o Hezbollah, rebeldes sírios de todas as matizes, as forças peshmerga dos curdos iraquianos, as milícias xiitas iraquianas, sem contar os EUA e as potências ocidentais. O que o EI fará quando suas conquistas minguarem é a dúvida que aflige o Ocidente.
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